Tóxico, Tweet, Trump
O tweet de Trump é a voz de uma América em forma de conjugação uniforme de raça, religião, respeito pelo ideal de uma Nação que se sente ameaçada na sua identidade por uma parcela dos seus cidadãos.
Trump foi eleito pela América dos “Deploráveis”. O “Go Back” tweet é uma peça exemplar do momento político americano. E exemplar porque ensaia uma formulação radical da linguagem, da forma e das ideias com que a América se observa no limiar de um Mundo Novo.
O tweet de Trump é a voz de uma América em forma de conjugação uniforme de raça, religião, respeito pelo ideal de uma Nação que se sente ameaçada na sua identidade por uma parcela dos seus próprios cidadãos. O “Go Back” tweet é a recusa da “mudança pela fusão”, a recusa da “mudança pela conjugação”, é uma canção de amor ao “absolutismo” de uma América Pura.
Falar simplesmente em “racismo” e explodir de indignação é um reflexo primário e tão ideológico como o tweet de Trump. Observe-se os destinatários do texto político: Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Ayanna Pressley, Rashida Tlaib, imigrantes de segunda geração e um grupo de activistas e congressistas do Partido Democrático denominado “The Squad”, reconhecido pela postura radical e progressista.
A teoria da mudança adoptada pelo grupo não procura uma qualquer via centrista, pelo contrário, implica um discurso e uma proposta radical que pretende elevar a temperatura política, excitar e extremar o discurso político de modo a captar a atenção dos media e o voto do eleitorado. Cruzando a cultura da celebridade e a respeitabilidade da política, o “Squad” pretende estabelecer a divisão entre Democratas Progressistas e Democratas Moderados, pejorativamente denominados de “Segregacionistas”.
A estratégia política centra-se na exploração das divisões culturais e no lastro de ressentimento da planície social americana de modo a promover a maximização das minorias, mobilizadas por um discurso político marcado pela apologia da diversidade, do progresso e das novas identidades.
A vitória e o domínio do Partido Democrático são sustentados pela conjugação de uma “maioria das minorias”. Na circunstância de Trump, o Presidente observa a pool de “Deploráveis” em recessão e a diminuição da notoriedade eleitoral da classe operária branca, orientando a sua estratégia política no sentido da construção de uma maioria racial e etnicamente homogéneas através da prática de um “populismo inclusivo”.
O que não deixa de ser extraordinário é que os dois discursos e as duas estratégias confluem numa lógica de divisão da América, mas a divisão da América em dois grandes grupos antagónicos, historicamente divididos, separados política, social e economicamente.
Trump abdica da figura do Presidente como o Grande Unificador de uma Nação que se entende como algo mais do que uma Nação – a Nação Indispensável, o epicentro de uma Civilização. O Socialismo de Ocasio-Cortez e o Purismo de Trump estão a forçar e a quebrar o tecido político e social da América. Dividida internamente na essência da sua fábrica social, dividida no entendimento da configuração do clássico “Melting Pot”, com a mitologia da Cidade na Colina em regressão, a América projecta no Mundo a instabilidade de uma sombra indecifrável.
Mas que não se evite a questão do possível ou hipotético “racismo” do “Go Back” tweet. Tudo se centra na concepção de “cidadão” adoptada pela perspectiva política. Num Estado-Nação a cidadania tem uma “natureza binária”, significando com esta expressão que uma vez reconhecido o estatuto, o conjunto de direitos e deveres rege-se por um critério de igualdade.
Não existem graduações de cidadania, nenhum indivíduo é apenas 50% cidadão, mas por definição é ou não cidadão de pleno direito. Nesta lógica, e na lógica do “America First”, a ideia do “Go Back” tweet encerra uma perspectiva que pode ser tecnicamente denominada de racista – o exacto racismo observável nos dísticos afixados nas lojas de New York e que gentilmente informavam “No Blacks. No Dogs. No Irish”.
Por imperativo constitucional, o Presidente deve garantir e assegurar os direitos e a dignidade de todos os cidadãos. No entanto, existe uma posição política alternativa que não entende a questão da cidadania como um requisito meramente legal ou formal, adquirido num momento específico e reconhecido pela exibição de um documento autenticado pelas instâncias administrativas.
Convocando todo um contexto cultural, social, todo um percurso de vida, a ideia de cidadão torna-se num estatuto mais maleável, mais frágil, algo que implica e exige uma componente de pertença que reflecte uma dimensão orgânica.
Neste entendimento o ser cidadão é algo que se adquire de modo gradual por assimilação e pelo efeito do tempo. Como tal, neste ministério efectivo da cidadania deverá existir alguma prudência e alguma contenção nas críticas à sociedade de acolhimento, sobretudo quando esse discurso ganha uma dimensão política que toca o epicentro da identidade social, promovendo a mudança radical, a divisão e, no limite, o ódio entre facções políticas rivais.
Esta ideia e esta prática do ser cidadão é um exercício delicado, onde a ambiguidade da fronteira recomenda a contenção, pois é nessa ambiguidade que reside o módico de tolerância ou de intolerância. Nesta acepção, o “Go Back” tweet não pode ser considerado racista, embora continue a dividir a fábrica social.
Seja como for, entre os Apóstolos da Pureza e os Apóstolos da Nova Identidade, a América é um continente em deslocação para os pólos.
Nota: O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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